quinta-feira, 11 de junho de 2009

Two - Desejos

Sentia-me perdido. Olhava a volta tentando identificar onde estava mesmo conhecendo aquele lugar onde já tantas outras vezes havia esperado o autocarro. Reflectia sobre mais uma noite de promiscua acção e perguntava-me onde iria parar. Não era nada que já não havia sentido antes. A sensação de vazio inoportuno depois de toda a testosterona ter abrandado e parado de bombar que acordava em mim sentimentos de culpa era já bastante familiar. Sentia a leve batida da chuva miúda sentado na paragem e olhando em volta, observando a vida que circulava a minha volta. Tudo parecia em câmara lenta. A inaptidão crónica de manter uma relação estável, por ser como sou ou não, tinha-me trazido mais uma vez aquele lugar na minha mente, que me atormentava e enojava. Seria esta cena, uma cena que repetiria ao longo de toda a minha vida? Andando de autocarro em autocarro, de cama em cama, não encontrando o que tanto procurava? E aí bateu-me... afinal o que queria eu? Na verdade nunca soube explicar, nem para mim mesmo, o que pretendia. Sentia. Apenas e somente. Imaginava imagens dum pseudo-futuro tão irreal que me assustava a ideia de apenas e somente isso me valer. E então, pela primeira vez, tentei transpor para a realidade aquilo que realmente queria. Sempre fui bastante pragmático no que diz respeito a definição de destino. Não podia nem queria acreditar que algo já havia sido pré-estabelecido acontecer mas naquela noite desejava mais que tudo que por uma vez o destino existisse e o que procurava aparecesse mesmo a minha frente. E então olhei no vazio e deixei que todo o meu ser transpusesse em palavras o que realmente ansiava. Palavras começaram a aparecer e depressa se transformavam em frases e ideias. Um encontro na rua, completamente inusitado e absurdo, olhares que se cruzavam e furiosamente se aproximavam mais e mais até estar face a face, deixados a mercê da paixão trocavam um beijo tão furioso, enraivecido, tão intenso que por momentos o tempo parava. Tão profundo que as marcas que deixava se iriam prolongar para todo o sempre. Procurava na realidade para mim aquilo que observava na minha vida. Amores tão intenso e épicos que podiam ser comparados a Romeu e Julieta ou mesmo a Pedro e Inês. Amores sobreviventes e que tão nucleares são que geram frutos. Eu era um desses frutos. Mas isso comigo não aconteceria. A minha mãe diz-me muitas vezes que eu não me aceito. Mesmo assumido e perfeitamente à vontade com o que sou, tenho consciência que a forma romântica como absorvo o mundo é a maneira como quero viver a minha vida. Mas penso que eu sou diferente. Comigo isso não acontecerá. Não sou merecedor desse tipo de amor e paixão tão furiosos que duram há largos 27 anos. Não procuro uma mulher. Procuro um homem e por si só altera todos os parâmetros do que poderá acontecer comigo. O que eu procuro é pura e simplesmente impossível. Não posso esperar querer um conceito de relação baseado em ideias heterossexuais. Eu não sou hetero. Nem sequer bissexual. Por si só o conceito é errado. Logo o que procuro impossivel. Talvez seja por isso que faço o que quero com quem quero quando quero. Tenho plena consciência que o tipo de amor que quero é um irrealidade. Não pode acontecer. A intensidade que procuro não surge como magia no ar. Um sentimento como esse não é possível de mimicar no meu caso. O mundo não me permitirá. A sociedade não me deixará consumar este desejo. Mas ainda assim o meu coração diz-me para não desistir. Parece sentir algo que eu não posso racionalizar. Pressente algo de bom ou algo de final? Será pura e simplesmente masoquista, banhando-se na dor que provoca cada pensamento desse nível? Será que a razão por vezes falha mesmo sendo eu crente na absolutez da racionalidade? Seja o que for que venha rápido. O coração até pode gostar deste sentimento mas a minha razão começa a ficar cansada de justificar esses sentimentos. Começa a ficar exausta de tanta hipótese e teoria, dando alas ao desespero e solidão. Já não sei o que digo. A esta hora o cansaço já começa a assentar. Será que algum dia vou ter o que procuro? Ou será que serei mais um num rol de frustrados que desejam ardentemente voltar atrás e mudar decisões imutáveis? O coração diz que não! A razão diz que esse será o meu fim? O meu desejo? Nem eu próprio sei....


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