sexta-feira, 2 de abril de 2010

Six Sentido e Nada

A manhã erguia-se em passos de lã com o céu manchado de tons arroxeados e azuis de mar, reflexos de uma noite que terminava e dum dia que despontava. O vento frio gela a sua face onde já se notavam as marcas do tempo. Na cabeça trazia as sensações perversas que tinha sentido algumas horas antes, recuando e avançando na história tal qual filme cujas cenas parecem estar enovoadas. Trazia também no peito a sensação de vazio que essas noites faziam povoar o coração. No comboio para casa, repensava todos os trajectos percorridos que o deixavam agora e como de costume abandonado na carruagem. Agora sentia a sensação que sempre perdura. A sensação de que a vida era fugaz e que a sua de tão complicada já lhe havia escapado das mãos e pertencia agora a nulidade absoluta que carregava consigo todos os dias. A sensação de não estar realmente aqui, que tudo não passa dum sonho, uma sensação dificil de descrever mas que facilmente se reconhece tão familiares já se tornaram os apertos bem no centro da alma que o fazem lacrimejar. Pensava também nos momentos de felicidade aos quais se agarrava na esperança de os poder reviver. Relembrar o calor que sentia quando tocava a pele de alguém que queria para si, com o desejo e a voracidade apenas comparado a uma presa que devora a sua presa, com um apetite sanguinário, salivante, saciado pela intensidade dos corpos unidos, hirtos e receosos que aquela simbiose terminasse e fosse rasgada pela faca mortal do destino que nos persegue e atormenta. E então vem a pergunta. A pergunta à qual tenta responder durante a sua curta idade e que o domina constantemente, que o inquieta e pressiona. Para ele tudo te um propósito, um fim, um objectivo. Nada é aleatório, nada é eterno. Contudo, crente desta doutrina desde que se lembra como gente, não sabe procurar para si o que muitos consideram ser a alma do ser humano, a capacidade que temos de traçar um rumo e segui-lo tentando desalmadamente atingir o cume das suas expectativas. Faltava-lhe aquilo que a todos faz mover, que a todos provoca motivação. Um propósito. Uma meta a atravessar. Passeava-se pelo mundo perdido de e em si, talvez demasiado egoista para reparar nos outros ao seu lado. Mas a sua dor era a SUA dor. Como podia ele pensar noutra coisa senão naquilo que realmente está neste vida a fazer. Sentia-se como um actor substituto em palco cujas deixas não teve tempo de aprender e agora enfrentava uma multidão que esperava de si mais que aquilo que realmente damos. Jamais media a sua vida comparando com a dos outros mas a verdade é que lhe parecia que todos estavam cientes do que faziam. Parecia quase uma conspiração que só ele vê e entende, uma conspiração em que lhe escondiam o segredo de poder ter a alma em paz e não no eterno desassossego em que estava. Mas depois parou em tentou sentir. Sentir o que lhe ia na alma, o que realmente lhe ia no peito e reparou que já não sentia. Nada o fazia sentir. Ria-se de piadas, chorava de desgraças mas tal como a vida tudo muito fugaz, sem profundidade. Aí apercebeu-se que tudo se resumia afinal a uma coisa. O sentido. Nas suas mais variadas formas de ser. Quer seja de sentir o calor dum corpo, sentir um aperto frio quando vemos alguém que amamos partir, o sentido que todos procuramos na vida. Tudo era uma questão de sentido. Mas o que ele realmente tem sentido é nada. Nada já penetra na enferrujada fechadura cuja chaves havia sido perdida há já muito. Nada. Um sentimento de nada. E isso era o que recordava. O nada da sua vida.


Sem comentários: