quinta-feira, 5 de junho de 2008

10 Escuridão

Olho ternamente para os dias que passaram. Os raios de sol que me batiam na cara, o vento quente que me afagava o rosto, os risos loucos de quem me era mais próximo, as bebedeiras e derivados ou complementos. A inocência com que olhava para quem me rodeava. As paixões que tinha e a intensidade com que as sentia. Tudo pura inocência. Em prol de não a perder fiz de tudo. Não me arrependo de nada. Mas o que mais fiz foi falar. Falava para entender, falava para convencer, falava para trabalhar, falava, falava, falava, falava... E nada até hoje consegui. Perdi muito, vivi pouco durante a adolescência. Já jovem adulto perdi-me pelos meios que desconhecia na busca de quem era, omitido durante anos por medos ofuscatórios da realidade. E apaixonei-me... uma e outra vez. Vez atrás de vez. Um após o outro. E agora não sinto mais. Não falo mais. E digo mais do quando falava. A minha timidez em alguns casos particulares tirou-me o discernimento do que havia de fazer para ter o que queria. Perdi quem queria. Uma e outra vez. Nem sempre se tem o que se quer. Facto. Mas na realidade? Dolorosamente verdade. Diria até penosa e purgatoriamente real e doloroso. Ainda hoje me recomponho. Mas já não falo. Quem sou, quem REALMENTE sou, está escondido numa arca escura, num sotão escuro, numa casa escura, numa rua escura, numa cidade escura residente numa mente escura. Tudo o que conheço é escuridão nos seus mais variados aspectos. A escuridão dos encontros de uma só noite, a escuridão dos sitios que frequento, a escuridão das pessoas que conheço, a escuridão que se alastra cada vez mais dentro de mim. Já não tenho mais forças para combater tanta escuridão. A minha luz já não brilha tão intensamente como brilhava. O buraco negro que tomou conta do sitio onde morava o meu coração, suga toda a energia, toda a alegria, toda a vida, pela frustração de não ser amado nem amar. Conto sempre com os meus mais próximos. Contarei sempre nem que em espirito. Tenho toda a fé que eles me observam. E eu não me escondo. Omito. Não escondo. A maior gentileza que podemos fazer a quem nos ama e nos criou é não dizer tudo. As aflições que passam por nossa conta chegam já sem saberem pelo que se afligirem. Sempre guardei tudo para mim. Tanto que tudo o que guardei escureceu o meu mundo. Agora sou só escuridão. Agora sou só eu. Agora sou só nada.

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